quinta-feira, 22 de julho de 2010

A imprensa brasileira e o lixo televisivo nosso de cada dia - O caso Eliza Samúdio

O caso do desaparecimento (e isso é só o que se pode ter certeza) da atriz de filmes eróticos Eliza Samúdio, é mais um daqueles que causam revolta e clamor popular. Cabeças são pedidas, delegados(as), advogados promotores (ainda não, neste caso), se transformam em "celebridades instantâneas" e aparecem em programas televisivos que vão do noticiário ao programa de receitas culinárias.
Vez por outra aparece alguém lúcido e escreve o que vocês podem ler abaixo:

"CASO ELIZA SAMUDIO
Mídia legitima versão policial como única e verdadeira

Por José Cleves Silva em 20/7/2010


A espetacularização do caso Bruno pela polícia coloca a mídia eletrônica e de papel brasileira numa situação difícil. Pior é ver parte dessa mídia legitimar a versão policial como única e verdadeira. Tudo indica que o goleiro do Flamengo tem culpa em cartório. São indícios, e não convicção plena, por isso justifica-se a suspeição policial. Pode – e deve – a polícia apresentar esses indícios à Justiça, como é o seu dever. Não esperemos das autoridades policiais a produção do contraditório porque não é essa a sua linha de atuação.

A prova em contraditório, com participação da defesa do acusado, é feita na fase da Justiça, que tem poderes para julgar, seja através de uma decisão monocrática, colegiada ou mesmo de um conselho de jurados, como é o caso específico dos crimes de morte.

A polícia pode falar que fulano é ladrão ou assassino, ainda que contrarie os direitos constitucionais do cidadão porque o que ela fala e escreve somente terá validade se corroborado na Justiça, sem que as ofensas morais impliquem em dano para a autoridade policial, ainda que o acusado seja inocentado.

Infelizmente, é assim que funciona a estrutura do judiciário em nosso país. O que não pode ocorrer é a imprensa enfiar goela abaixo do público essas conclusões policiais com o argumento fajuto de que "quem está falando é a polícia". Isso é covardia. Se querem o escândalo como forma de pagamento da dívida moral do acusado, que apresentem ao público as nuances dessa dívida sem o veio do sensacionalismo barato.

Polícia e imprensa

O que se vê, no caso Bruno, não é notícia apurada, mas um espetáculo vergonhoso produzido antes mesmo da localização do corpo da vítima, da conclusão do competente inquérito policial e da formalização do depoimento do acusado nos autos, após a sua defesa ter acesso e cópia dos mesmos.

Aprendi cedo na profissão que os três fatores de um crime controverso – autoria, circunstâncias e motivação – estão intrinsecamente ligados ao fato criminal. É preciso desvendá-los com clareza para obter-se o convencimento pleno.

Não é de hoje que venho debatendo essa questão com os meus colegas jornalistas. Há uma diferença fundamental entre a nossa atividade e a do policial. O agente público responsável pela repressão policial age de forma coercitiva, dentro do que determina e permite o Código de Processo Penal (CPP). Tem poderes para isso porque o que ele faz é provisório.

Já a notícia deve ser o resultado do trabalho sério e definitivo do jornalista, e não da ação opressora, midiática, leviana e irresponsável de quem deseja um fato conveniente, e não verdadeiro.

Faço essas considerações com a autoridade de quem tem mais de 30 anos de jornalismo a céu aberto e que, por uma maldade descomunal da polícia, esteve do outro lado da interlocução jornalística. Testemunha de um assalto que resultou na morte de minha mulher, fui transformado em criminoso cruel pela polícia e a imprensa que a copiou.

No limite da subserviência

Tudo isso porque os jornalistas não tiveram o cuidado de fiscalizar o que a polícia fazia. A pressa da polícia em adiantar informações inconclusas para obter fama pode não apenas prejudicar o investigado, como ocorreu no meu caso; esse afobamento pode também beneficiar o criminoso, que se pode valer desse artifício para preparar a sua defesa.

É por isso que não me sai da memória uma frase premonitória do meu advogado, Marcelo Leonardo, um dos maiores criminalistas do país. Ao ver-me angustiado com a perseguição policial, ele confortou-me: "Deixe a polícia errar. Quanto mais ela errar, melhor para nós."

A maldade da polícia, no meu caso, foi reparada pela Justiça, que me absolveu à unanimidade ao acatar a tese de meu advogado de que a arma, apontada pela polícia (e a imprensa que a copiou) como a do crime, fora plantada no local do assalto para incriminar-me.

A mesma reparação não tive da imprensa. O espetáculo jornalístico causou um estrago tão grande na minha família que perdi as esperanças de um dia ficar livre desse pesadelo. O trauma aumenta ao ver que a chefia da equipe policial do meu caso é a mesma que está no caso Bruno.

Espero, pois, que esse press release do caso Bruno fique no limite da subserviência, sem o erro brutal registrado no meu caso (e no da Escola de Base), quando inocentes foram execrados pela maldita oficialidade desse jornalismo sem questionamento."

Extraído de: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=599JDB004

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Comida é pasto. Educação e arte, para qualquer parte.


Se existe algo que me incomoda na sociedade atual, além da futilidade e do "mundinho fashion", materializado no visual, no conceito de "modelos" e da própria moda, é o fato de que ninguém mais lê nada.

O advento da internet parecia ser um divisor de águas, uma nova sociedade rumo à luz da sabedoria e da difusão do conhecimento. Mas não, as malditas rede sociais se uniram às malditas telenovelas e juntamente com os mais diversos tipos de programas televisivos, seja de auditório ou dos chamados "reality shows", reiniciaram um processo de emburrecimento da população em geral. Tudo isso para o deleite de políticos populistas e corruptos, além dos mercadores da fé dos iletrados e irracionais cordeiros.

As desculpas vão desde aspectos culturais (somos um povo colonizado e portanto, com pouca ou nenhuma identificação com a cultura da civilização, leia "lado de cima do equador"), à necessidade de trabalho constante e braçal, típico de povos subdesenvolvidos, passando é claro, pelo "alto preço dos livros".

Todas estas desculpas são totalmente esfarrapadas. Nada disso é verdadeiro, ao menos não obrigatoriamente. Vejam este link: http://bit.ly/aeMcsI (não estou ganhando nada por isso, hein!) de uma livraria on-line, e me digam, com sinceridade, livro é caro mesmo? Não, não é.
Mesmo que não se queira, ou não se possa comprar, a internet tem inúmeros sites para baixar eBooks, de forma legal http://bit.ly/22vrlK (Domínio Público) ou nem tanto http://bit.ly/2ygW9 (Programa de Democratização da leitura), de qualquer forma uma iniciativa válida.

Mas, no Brasil, tudo é muito "difícil" para as pessoas. Qualquer frase com um vocabulário além de interjeições e verbos mal conjugados já parece parnasiana para os nossos pobres "Jecas Tatus", que depois vão precisar de todos os tipos de cotas possíveis para compensar a "exploração capitalista dazélites dominantes" ...

Um país que não lê, não sabe, não aprende. Um país que não aprende, não conheçe, não preserva, não tem memória. Um país assim, não é uma nação, nem nunca será.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O Julgamento do Caso Isabela Nardoni

Sinceramente, deixei de ter opinião sobre o caso da morte da menina Isabela Nardoni já há algum tempo. Não sei, e para falar a verdade não me importa mais, se o pai e madastra são culpados ou inocentes. Apenas estou muito incomodado com a quantidade de "especialistas" na mídia e fora dela, acusando, julgando e condenando. Nenhuma destas pessoas teria esta prerrogativa, mas o fazem.


Acredito que ninguém nunca saberá a real verdade sobre o caso, mas tenho quase certeza que o casal será condenado, pois já entraram em um julgamento no qual os jurados já tinham sua opinião sobre o assunto, devidamente manipulada e espetacularizada pela mídia. Para a imprensa não passa de mais uma "matéria", mais uma oportunidade de capitalizar em cima da tragédia alheia. A carinha de pena e consternação que vemos nos âncoras e repórteres televisivos, as palavras pesadas e justiceiras que lemos nos jornais e revistas, tudo isso não passa de "mais do mesmo", apenas mais uma oportunidade, o assunto do dia, da semana ou do mês. (Edit: O que não quer dizer, para os que não entenderam a mensagem, que os réus não sejam, ou melhor, não possam ser culpados. Na verdade é bem provável que sejam, mas isto não cabe à imprensa, nem a mim ou você leitor, decidir).


O que de melhor foi escrito, em todo este tempo, sobre este assunto vocês podem ler abaixo nas palavras de quem esteve no olho do furacão, pois aqui as transcrevo:



A Vida dos outros - por Guilherme Fiuza



04 de Abril de 2008   
A vida dos outros

É difícil escrever sobre uma tragédia sem ser acusado de insensibilidade com a dor alheia.
Talvez a saída mais segura seja falar da nossa própria. No dia 2 de julho de 1990 meu primeiro filho, Pedro, caiu do oitavo andar do prédio onde morávamos, em Botafogo. Desci de escada achando que seria mais veloz do que o elevador, talvez do que a própria queda. Encontrei-o já morto, e não precisava ser médico para constatar.

Os ferimentos eram brutais. Voltei com ele de elevador, mas ainda com pressa, agora de dizer à mãe dele que não podíamos fazer mais nada. Antes que pudéssemos entender o que fazer da nossa própria vida, já tínhamos uma certeza: não podíamos sair de casa. Estávamos presos lá, com dois policiais militares armados na porta do apartamento. Antes de poder enterrar meu filho, tive que contratar um advogado. Recebi-o no quarto de empregada, para poupar a mãe do Pedro, minha ex-mulher, daquela conversa surrealista.

Embora vivêssemos em harmonia e fôssemos particularmente tranqüilos, o advogado vinha relatar depoimentos comprometedores do síndico e de vizinhos à polícia. Eles diziam ter ouvido ruídos altos de portas batendo, discussões febris, gritaria. Foi longo o tempo até encerrar esse processo insano e provar que os vizinhos tinham delirado. Mas foi muito rápido, instantâneo, o castigo imposto pelos homens da lei, de mãos dadas com os vizinhos diligentes: Ser tratado como suspeito da morte do próprio filho.

Quando a Polícia Militar nos permitiu deixar o apartamento, no qual nunca mais voltaríamos a morar, tivemos que deitar no chão do carro, para evitar a multidão de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Escapamos de passar pelo que passou a mãe de Isabella Nardoni, quase jogada no chão pela sanha da imprensa. Uma mãe de quem a vida acabara de arrancar uma filha, que portanto mal se punha de pé por si mesma…Bem, colegas, morram de vergonha. No Espírito Santo, há outro pai preso porque a filha caiu da janela. São todas situações sobre as quais é preciso encontrar a verdade. Se os pais forem desgraçadamente culpados, precisam ser exemplarmente punidos.

Nada disso dá direito à sociedade de invadir a vida de uma família com a sua curiosidade mórbida e a sua estupidez. Se não é possível à coletividade imaginar na sua própria pele o ardor da tragédia, já seria um belo avanço civilizatório se ela entendesse, de uma vez por todas, que a vida (dos outros) não é um Big Brother.


Guilherme Fiuza - Jornalista, é autor de "Meu nome não é Johnny", livro que deu origem ao filme. Escreveu também o livro "3000 Dias no Bunker", reportagem sobre a equipe que combateu a inflação no Brasil. Em política, foi editor de "O Globo" e assinou em "NoMínimo", um dos dez blogs mais lidos nessa área. http://www.guilhermefiuza.com.br/


Pensem nisso and be happy, always  (se puderem) ... Um abraço a todos, José Robson.


EDIT (Pós-Post): 27/03/2010 - Com o veredito (previsível) de culpados para os réus, a opinião do autor não muda em nada. Sendo culpados (e só agora, após um julgamento, alguém pode mencionar esta palavra) que paguem pelo crime que cometeram, com todo o rigor da lei. Independente da condenação, a atitude dos que pré-julgaram, e causaram este estardalhaço midiático e popularesco todo, não se justifica e tampouco foi correta só por que o desfecho do caso foi pela condenação dos, agora, criminosos. Suspeitos têm que ser tratados como suspeitos, criminosos como criminosos. Está é a base do nosso sistema de justiça. Qualquer coisa além disso é a aplicação do "terra sem lei", "terra de ninguém", o popular "samba-do-crioulo-doido", onde todos os direitos constitucionais de qualquer cidadão podem ser jogados no lixo sem a menor cerimônia, principalmente pela "mídia popular" que adora povoar as tardes televisivas e os tablóides sensacionalistas que insistem em serem chamados de "jornais". (Por José Robson Venturim)